Segundo piloto que voava na região no mesmo horário, equipe da aeronave em que estava a cantora fez quatro contatos pela frequência local até minutos antes da queda: ‘Tudo parecia normal’, contou ele
RIO – Durante o voo entre Goiânia e Piedade de Caratinga, o piloto do avião que levava a cantora Marília Mendonça e outros dois passageiros, além do copiloto, se comunicou quatro vezes pela frequência de rádio local. Segundo um piloto da região que guiava um monomotor de Viçosa para o mesmo destino no mesmo horário, as mensagens de Geraldo Martins de Medeiros Júnior davam a impressão de um voo normal.
Mas um detalhe ficou em sua memória: o condutor da aeronave que caiu na última sexta-feira (5) matando cinco pessoas repetiu duas vezes que iria iniciar o procedimento de pouso, chamado de “perna do vento” no jargão técnico da aviação.
— Ele disse que estava pegando a perna do vento e, cerca de 20 segundos depois, voltou a dizer que estava pegando “a perna do vento 02”, o que significa que estava iniciando o procedimento padrão de pouso. Isso não configura uma anormalidade pois os pilotos podem prolongar um pouco o tempo do pouso — explicou o piloto, que trabalha para empresários locais e é experiente no mapa cartográfico da região.
O piloto, que prefere não se identificar, já deu depoimento para os órgãos responsáveis por investigar as possíveis causas do acidente, entre eles o Seripa (Serviços Regionais de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos). Como a frequência é aberta, as mensagens trocadas durante os voos não ficam registradas em qualquer gravação.
Em sua primeira comunicação, Geraldo informou estar voando a 12.500 pés e a “44 fora”.
— É uma altitude compatível para o local. Fiquei a dúvida se eram 44 milhas de distância ou 44 minutos. Como eu estava indo para o mesmo aeroporto e precisava estimar o pouso, perguntei. Ele respondeu que eram 44 milhas — lembra o piloto, que só em Caratinga já opera aeronaves há dez anos.
Na segunda mensagem, o piloto da PEC Táxi Aéreo disse já estar a 6.500 pés, em processo de descida. O condutor da região explica que essa altitude é padrão, normal para o relevo do local. Ele calcula que nesse momento o bimotor estivesse a cinco ou sete minutos da pista.
A penúltima entrada na frequência aconteceu, provavelmente, dois minutos antes da queda:
— Não sei se era o piloto ou o copiloto. Ele disse: “PTONJ (prefixo da aeronave) ingressando perna do vento 02 em Caratinga.”
Traduzindo, isso quer dizer que a parti dali, já vendo a pista, ele iniciaria o processo de pouso.
— Vinte a 30 segundos depois, ele votou a falar: ‘Ingressando perna do vento 02’. Isso não é um problema e nem causa de estranamento pois muitos pilotos prolongam um pouco mais a descida — explica ele.
O voo entre Viçosa e Caratinga tem duração de 30 minutos. O piloto que operava esta rota pousou normalmente no aeródromo local, sem saber do acidente:
— Eu achei que ele tinha pousado normalmente. Em solo, perguntei para a equipe sobre o outro avião, e eles disseram não ter havido outro pouso. Cinco minutos depois, meu celular começou a tocar. Eram amigos perguntando se eu estava bem. Foi assim que eu soube da queda do avião [em que estava Marília Mendonça].
Aeródromo pequeno e terceirizado
O aeródromo de Caratinga é pequeno, categoria 1 pela classificação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Como faltam recursos para o poder público dos dois municípios bancarem sua manutenção e sobram aviões particulares na região, há cinco anos a administração foi terceirizada, por decreto. Segundo Macedo, é uma gestão não remunerada. Ou seja: quem cuida não ganha, mas também não gasta.
Como assim? Seguinte: o aeroporto é custeado por empresários locais, numa espécie de vaquinha. O valor varia de um mês para o outro, dependendo do que precisa ser feito.
— Tudo de uma maneira muito amistosa, conversado em almoços entre os empresários — conta o subadministrador do aeroporto de Caratinga, Roni Macedo.
O dinheiro arrecadado nos encontros é empregado em reparos da pista, manutenção paisagística, iluminação etc. Ao longo dos anos, a estrutura vem passando por upgrades. Um hangar foi construído, assim como banheiros e uma pequena lanchonete. O horário de funcionamento é: “entre o nascer e o por do sol”. Não há voos noturnos em Caratinga. Na rotina diária do aeródromo, três funcionários dão expediente.
Manual de funcionamento
Não é preciso fazer “reserva” para usar a pista de Caratinga. Basta avisar por radiofrequência que pretende fazê-lo minutos antes do pouso. Caso nenhum outro piloto manifeste a mesma intenção no mesmo horário, a autorização está automaticamente dada.
Mas é obrigatório que o piloto consulte um documento chamado “carta de aproximação”. Nele ficam registrados os obstáculos existentes no perímetro de 4 km do aeródromo. No de Caratinga, constam um conjunto de morros e a chaminé de uma cerâmica. As torres da companhia elétrica Cemig não estão lá, pois ficam fora da obrigatoriedade de registro. Uma das hipóteses para o acidente é que a aeronave em que estava Marília tenha batido num fio de uma dessas torres, e o fio teria se enrolado no eixo existente entre a hélice e um de seus dois motores.
— Nunca nenhum avião foi visto voando tão baixo próximo das torres. A grande pergunta é: por que isso aconteceu?
Fonte: O Globo